Carta de amor à direita
- Rosa Beltrão
- 22 de jun. de 2015
- 2 min de leitura
Dizem que o brasileiro não conhece a liberdade, mas eu estou aqui para desmentir isso. Conhecemos sim a liberdade, mas é preciso que você atenda alguns requisitos de nossa elite. Se você puder me informar seu gênero, sua cor, sua renda e sua sexualidade, eu lhe informo quão livre você será. Ah, não... Você só pode estar brincando comigo! Você é mulher, negra, pobre e lésbica? Mas isso já é pedir demais. Não entendo como alguém que nem mesmo se encaixa no padrão exigido por nós queira se sentir livre. Temos realmente um impasse porque, embora nós sejamos um pequeno grupo, o poder está concentrado em nossas mãos. Portanto, só resta a pessoas como você nos obedecer, nos servir. Igualdade? E você lá merece isso? Se ao menos você tivesse se esforçado, se empenhado para ser alguém na vida. Não, você passou na universidade por cotas. Cotas raciais! Eu passei um ano estudando em escola particular e em cursinho pré-vestibular para nada. Você foi e roubou a minha vaga. Só porque você é negra! Isso é racismo inverso. A escravidão já foi abolida. O que mais você quer? Acabar com a supremacia branca? Quanta agressividade! É verdade, vocês sofreram quinhentos anos de opressão, mas agora vocês querem oprimir a nós, brancos, ricos e heterossexuais! Assim não dá. Eu não tenho culpa se eu sou branca, se eu sou rica, muito menos se eu gosto do que é normal. Eu vou lutar sim ao seu lado e eu realmente quero que você tenha uma vida tão boa quanto a minha. Do fundo do meu coração! Só... Só não me peça para rever meus privilégios porque, você sabe, eu não tenho privilégio algum. Minha família é rica porque ela se esforçou para conseguir isso. A sua, não. É só por isso que você é pobre. Tudo bem, metade do nosso dinheiro foi herdado de meu bisavô, mas por acaso o seu pai quis ser alguém na vida? Não, ele decidiu ser vendedor ambulante. Ele sabia o que fez quando escolheu essa carreira. Se ele tivesse escolhido ser um grande empresário como o meu pai, sua família não estaria passando fome. Mas ele escolheu o que era mais fácil, ele foi preguiçoso. Espero que você, minha amiga, não seja assim. Espero que você batalhe para um dia ser que nem eu, parte da elite brasileira. Mas, por favor, não venha me dizer que o brasileiro não conhece a liberdade porque senão eu vou ter que te ensinar tudo de novo...
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